domingo, 6 de março de 2016

Flores não comovem

Desde mais nova, as homenagens ao dia 8 de março já me incomodavam. Receber flores, elogios e bombons não me tornavam melhor ou mais forte. Apenas mais tarde compreendi aquele incômodo. Compreendi o quão artificial, vazio e hipócrita é o discurso de exaltação às mulheres.

Chegou o momento de pôr em cheque toda essa simbologia arcaica. Flores não nos representam: apenas nos silenciam. Chegou o momento de aprender, questionar, entender o que de fato significa a luta das mulheres por liberdade e direitos iguais. Quando ouço alguém dizer que não precisa do feminismo, que o movimento é vitimista e exagerado, eu só consigo lamentar pela falta de empatia e conhecimento.

Reproduzir o discurso de que homens e mulheres são diferentes por natureza é remontar aos séculos passados, quando a biologia era utilizada como justificativa para a escravização dos negros. Afirmar que já conquistamos todos os direitos (como o direito ao voto, por exemplo) e que não há mais desigualdade de gênero é minimizar todas as formas de violência, física e psíquica, ainda vivenciadas pelas mulheres.

Hoje, eu quero gritar ao mundo que preciso do feminismo. Eu preciso do feminismo porque, a cada 12 segundos, uma mulher é agredida e estuprada no Brasil. Eu preciso do feminismo porque, no mercado de trabalho, o salário da mulher é 30% menor que o dos homens, exercendo a mesma função.

Eu preciso do feminismo porque o Estado quer impor leis sobre o meu corpo. Porque o Brasil registra mais de 16 mil casos de feminicídio em apenas um ano – e a maior parte das vítimas é negra, pobre e homossexual (coincidência?). Eu preciso do feminismo porque sou definida e julgada pela aparência, pela sexualidade, pelas roupas que escolho usar, pelo modo de vida que escolho levar. Porque vivo na era da falsa liberdade sexual. Porque, se um dia eu decidir ser comentarista esportiva, precisarei provar o meu conhecimento para ser validada. Porque sou engolida diariamente por propagandas e mídias sexistas, em que o corpo da mulher é sexualizado e objetificado, e os estereótipos são reforçados.

Eu preciso do feminismo porque vivo aprisionada na ditadura da beleza, da maquiagem, depilação, do corpo padrão. Porque, se um dia eu for estuprada, provavelmente a roupa curta será o motivo, e a culpa será minha. Porque a sociedade quer me educar para eu ter cuidado, me preservar, “me dar valor”, enquanto o homem deveria ser ensinado a respeitar, a não estuprar. Porque, enquanto o aborto não for legalizado, mulheres continuarão morrendo sem o mínimo de assistência médica, e com a total desconsideração de suas condições financeiras e emocionais. Porque, em pleno século XXI, querem nos ditar regras de comportamento, de como agir em relação ao nosso próprio corpo. Eu preciso do feminismo porque, quando eu digo que não penso em casar ou ter filhos, as pessoas acreditam que eu não serei uma mulher completa. 

E quando digo “eu”, quero dizer “nós”. Porque a luta não é minha; é nossa.

A opressão existe. E ela é sutil, enviesada, disfarçada de piadas, cavalheirismos e assédios – e não cantadas – supostamente inocentes. Disfarçada pelo discurso patriarcal de que mulheres são frágeis, desequilibradas ou loucas. Disfarçada pela própria linguagem, quando dizemos “eles”, e não “elas”, em um grupo de 29 mulheres e apenas um homem. Fortalecida por conceitos ultrapassados que dividem mulheres entre “putas” e “santas”, com ou sem valor.

No dia 8 de março, esqueçam as flores e os elogios alienados. Um minuto de silêncio para a reflexão e o exercício da empatia e alteridade. Um minuto de silêncio para que seja ouvida a nossa voz.

O machismo não é natural. O machismo é histórico e cultural. O machismo reprime, ofende, condena, deslegitima. O machismo mata. Estamos falando do direito à vida, à escolha, à liberdade. É preciso reforçar o óbvio.

E se lutar pelo óbvio é ser radical, sejamos, pois, radicais.


Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto.
    infelizmente, mulheres são rotuladas o tempo todo.
    Siga na Luta.
    Conte comigo.
    Foi o tempo em que homens como Bolsonaro eram vistos como exemplos a serem seguidos. Basta!

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