Desde
mais nova, as homenagens ao dia 8 de março já me incomodavam. Receber flores,
elogios e bombons não me tornavam melhor ou mais forte. Apenas mais tarde
compreendi aquele incômodo. Compreendi o quão artificial, vazio e hipócrita é o
discurso de exaltação às mulheres.
Chegou
o momento de pôr em cheque toda essa simbologia arcaica. Flores não nos
representam: apenas nos silenciam. Chegou o momento de aprender, questionar,
entender o que de fato significa a luta das mulheres por liberdade e direitos
iguais. Quando ouço alguém dizer que não precisa do feminismo, que o movimento
é vitimista e exagerado, eu só consigo lamentar pela falta de empatia e
conhecimento.
Reproduzir o discurso de que homens e mulheres são diferentes
por natureza é remontar aos séculos passados, quando a biologia era utilizada
como justificativa para a escravização dos negros. Afirmar que já conquistamos
todos os direitos (como o direito ao voto, por exemplo) e que não há mais desigualdade
de gênero é minimizar todas as formas de violência, física e psíquica, ainda vivenciadas
pelas mulheres.
Hoje, eu quero gritar ao mundo que preciso do feminismo. Eu
preciso do feminismo porque, a cada 12 segundos, uma mulher é agredida e estuprada
no Brasil. Eu preciso do feminismo porque, no mercado de trabalho, o salário da
mulher é 30% menor que o dos homens, exercendo a mesma função.
Eu preciso do
feminismo porque o Estado quer impor leis sobre o meu corpo. Porque o Brasil
registra mais de 16 mil casos de feminicídio em apenas um ano – e a maior parte
das vítimas é negra, pobre e homossexual (coincidência?).
Eu preciso do feminismo porque sou definida e julgada pela aparência, pela
sexualidade, pelas roupas que escolho usar, pelo modo de vida que escolho levar.
Porque vivo na era da falsa liberdade sexual. Porque, se um dia eu decidir ser
comentarista esportiva, precisarei provar o meu conhecimento para ser validada.
Porque sou engolida diariamente por propagandas e mídias sexistas, em que o
corpo da mulher é sexualizado e objetificado, e os estereótipos são reforçados.
Eu preciso do feminismo porque vivo aprisionada na ditadura da beleza, da
maquiagem, depilação, do corpo padrão. Porque, se um dia eu for estuprada,
provavelmente a roupa curta será o motivo, e a culpa será minha. Porque a sociedade quer me educar para eu ter cuidado, me preservar, “me dar
valor”, enquanto o homem deveria ser ensinado a respeitar, a não estuprar.
Porque, enquanto o aborto não for legalizado, mulheres continuarão morrendo sem
o mínimo de assistência médica, e com a total desconsideração de suas condições
financeiras e emocionais. Porque, em pleno século XXI, querem nos ditar regras
de comportamento, de como agir em relação ao nosso próprio corpo. Eu preciso do
feminismo porque, quando eu digo que não penso em casar ou ter filhos, as
pessoas acreditam que eu não serei uma mulher completa.
E
quando digo “eu”, quero dizer “nós”. Porque a luta não é minha; é nossa.
A opressão existe. E ela é sutil, enviesada, disfarçada de
piadas, cavalheirismos e assédios – e não cantadas
– supostamente inocentes. Disfarçada pelo discurso patriarcal de que mulheres
são frágeis, desequilibradas ou loucas. Disfarçada pela própria linguagem,
quando dizemos “eles”, e não “elas”, em um grupo de 29 mulheres e apenas um
homem. Fortalecida por conceitos ultrapassados que dividem mulheres entre “putas”
e “santas”, com ou sem valor.
No dia 8 de março, esqueçam as flores e os elogios alienados.
Um minuto de silêncio para a reflexão e o exercício da empatia e alteridade. Um
minuto de silêncio para que seja ouvida a nossa voz.
O machismo não é
natural. O machismo é histórico e cultural. O machismo reprime, ofende, condena,
deslegitima. O machismo mata. Estamos
falando do direito à vida, à escolha, à liberdade. É preciso reforçar o óbvio.
E se lutar pelo óbvio é ser radical, sejamos, pois, radicais.