segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Gestação

Morfemas formam palavras. Palavras criam sintagmas, que criam frases, que criam orações, que criam períodos, que criam o texto.

O texto narra, descreve, argumenta, comunica. O texto conversa, comove, insinua, demonstra, informa. O texto pode ser original, pode ser plágio, pode ser intertextual. 

O texto desafia o leitor. E o leitor desconfia.

O texto fala por si, mas também fala do outro. Pode ter um ou mais gêneros. Pode ser inútil, pode ser excesso, vazio, inconcluso. O texto pode não ter sua aparência tradicional. Pode ser desenho, imagem, gráfico, corpo. 

O texto é instrumento universal. É verdade e mentira. É romance, conto, poesia. 

É um bilhete na geladeira, é uma nota no jornal. É irônico, complexo, intencional. Transmite e recebe, inventa e copia.

Faz lembrar. Associar. Chorar. Sorrir. Imaginar.

O texto é ritmo, som, exclamação. É trabalho e inspiração.

Para o jornalista, o texto é notícia. Para o prolixo, demorado. Para o linguista, objeto de estudo. Para o publicitário, é marketing. Para o compositor, música. Para o romancista, é história. Para o cozinheiro, receita. Para o cartunista, charge. Para o poeta, é dor. Para mim, necessidade.

O texto surge de um silêncio espontâneo. De uma linguagem do pensamento que antecede sua realização formal. Das ideias mais prosaicas e revolucionárias.

O texto grita dentro de mim, implora sua manifestação.

E eu escrevo para libertar palavras intranquilas e aprisionadas. Para modelar e reconstruir sentidos ainda primários. Concretizar o mundo inteligível de Platão.

Porque não me basta ser leitora: sucumbo à criação.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Somos mais do que um, somos mil

Em algum momento da história, surgiu a ideia de “ser um” como expressão que designa um dado grupo, provavelmente para lhe atribuir força. O sentido repercutiu e hoje está também generalizado nas mais diversas declarações de amor. Até que ponto “ser um”, sendo dois ou mais, é positivo?

A tentativa de unificar pessoas anula suas diferenças, seus espaços privados. Podemos estender o tema a outros níveis, se pensarmos que a língua não é homogênea, a cultura não é homogênea, a política não é homogênea, as regiões não são homogêneas, e por aí vai. A ideia de uma gramática normativa única, por exemplo, é ilusória. O suposto padrão no qual se baseia a língua é quebrado a todo instante pelos diferentes contextos de uso, tanto na fala quanto na escrita. O mesmo acontece com o ser humano.

Enxergamos e agimos conforme nossa experiência de vida e os meios culturais e sociais aos quais somos expostos. Cada um, em sua inerente individualidade, constrói sua própria visão de mundo. Clarice Lispector diz: "Uma vida completa pode acabar numa identificação tão absoluta com o não eu que não haverá mais um eu para morrer." Essa perda da identidade é perigosa, uma vez que nos distancia de nossos valores e nos torna manipuláveis.

Posso citar como mais um exemplo o movimento feminista, que luta pela igualdade entre homens e mulheres. Não podemos confundir igualdade de direitos com igualdade de pensamento. As mulheres buscam espaço, liberdade e respeito na sociedade, além da desconstrução de uma inferioridade de raiz histórica e meramente cultural. Não se trata, portanto, de uma luta por um pensar e sentir igual. Diferenças sempre existirão, sobretudo no âmbito biológico; assim como continuarão existindo dentro de um grupo só de mulheres ou só de homens.

A heterogeneidade enriquece as relações humanas, provoca diálogo e questionamento, e nos mantém acesos na constante busca para entender o eu e o outro.

Somos um, dois, três, quatro... Somos plurais.