terça-feira, 26 de agosto de 2014

Aconteceu

Aconteceu.

Numa segunda de sol. No calor da multidão. Numa tarde de carnaval.

Aconteceu na esquina do bar, no banco da praça. Entre uma música e outra. Entre uma dança e um sorriso desconcertados. No sofá rasgado.

Aconteceu na sinuca, no ping-pong, no vídeo de formatura. Aconteceu nas lembranças. Nas conversas da madrugada, no suor das mãos, na alta temperatura.

Aconteceu de eu querer ser sua
E você ser meu.


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Nem céu Nem chão


Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
     Pilar da ponte de tédio
            Que vai de mim para o Outro.  
(Mário de Sá-Carneiro)

Sinto uma estranha atração pelo meio-termo. Aquele lugar desconhecido e indiferente, onde não cabem opostos.
  
Pessoas se reúnem para assistir à aurora ou ao crepúsculo – o sol da manhã, a noite estrelada, a lua iluminada. Eu não: contento-me com as tardes de meio-dia.
  
Perguntam-me se isto ou aquilo. Questionam-me: “ser ou não ser?”. E eu digo, não sou isto nem aquilo. Sou e não sou. O nada pouco se mostra; o tudo me é demais.

Tenho planos medíocres. Sonho pela metade. Não quero o preto nem o branco – é o cinza que me seduz. Até os poetas são enfeitiçados pelos extremos. Descrevem o grotesco e o belo, o amor e a dor... Eu procuro o caminho entre as coisas. Os espaços esvaziados que se preenchem e formam um contínuo. Sem emoção, sem razão.

É da mistura que falo. Das partes indefinidas, inconclusas e banais. Não me deixo contaminar pelos anjos e serpentes deste mundo.

Meu ser é ordinário.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

As duas faces


D’um gesto descuidado
O corpo desconfia:
“Quem é essa, do outro lado,
Que me anula e me copia?”

Com olhar ambíguo,
Ora ousado,
Ora esquivo,
Repara, mais de perto,
O excesso e o vazio.

Em trajes taciturnos,
Pele alva,
Lábio rubro,
Revela, mascarada,
O substrato oculto.

De pó branco e voz macia,
Um sorriso dócil encena:
“Hoje, sou Maria
Amanhã, Madalena!"