Pretendo, com este texto, desenvolver
algumas ideias a respeito de um tema polêmico e, muitas vezes, pouco debatido:
o aborto. Exponho, aqui, os argumentos que me colocam em posição favorável à
legalização.
Primeiramente, uma breve explicação: ser
a favor do aborto não significa querer “liberar para resolver” ou mesmo apoiar
e incentivar a prática. O aborto é um procedimento desconfortável e perigoso
para quem o realiza, e está longe de ser uma opção cômoda para as mulheres.
O discurso pronto que ouço daqueles que
são contra é sempre o mesmo: “eu sou a favor da vida”. Daí, surge o meu
questionamento: de que vida você está falando?
Pois é. Eu também sou a favor da vida. O
aborto é, atualmente, a quarta maior causa de mortalidade materna no Brasil. E
quem são as principais vítimas? Mulheres de classe baixa, que, em sua maioria,
procuram ajuda médica em situação de desespero e clandestinidade – sem condição
financeira ou emocional para criar um filho –, e ainda são taxadas de
criminosas.
Assim como você, eu também defendo uma
política de conscientização, educação sexual e disseminação dos métodos
contraceptivos, que atinja de maneira ampla todas as classes. Eu também
concordo que talvez seja a melhor solução. Mas estamos lidando com uma
realidade, e não com um mundo ideal. Realidade que mata, que exige medidas
urgentes e imediatas.
Ser contra o aborto não fará a prática
desaparecer, independente de sua legalidade. Precisamos de um Estado que
garanta condições seguras e legais para essas mulheres. Reiterando o que eu
escrevi no início: não se trata de um incentivo. Estamos falando de uma
situação real que compromete a saúde pública, a vida das mulheres, por falta de
estrutura e descaso.
Muitos querem nos chocar com imagens de
crianças mortas e nos acusam de assassinos, com o total desconhecimento do que
a proposta de alteração da lei prevê: "despenalização total da interrupção voluntária da gravidez quando realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado".
Às vezes, creio que esse tipo de
acusação provém de pessoas com uma visão puramente religiosa e limitadora, que
não querem enxergar para além de seus princípios. Em minha opinião, ainda não
existe vida nas primeiras semanas de gravidez. Até hoje, muitos padres são
contra inclusive o uso de camisinhas, alegando que isto já se configuraria uma
interrupção de uma vida. Onde fica, então, o direito à liberdade e à autonomia
sobre nosso próprio corpo?
Quando digo que a prática é insegura, não
me refiro apenas aos riscos à integridade física da mulher. Falo também da sua
história enquanto ser humano, seus sentimentos, seu presente e futuro. Falo do
risco psicológico, que é igualmente importante.
Já ouvi de um homem a seguinte solução: “se
não quer, é só dar para adoção depois”. Certamente, esse homem não entende nada
sobre o que é ser mulher, o que significaria a gestação e o sofrimento de
entregar um filho – porque aí, sim, é uma criança, um ser, uma vida. Cada um
reage e sente de uma maneira. Até mesmo eu, enquanto mulher, não me sinto no
direito de julgar e opinar sobre algo que não diz respeito ao meu corpo.
Afora as atuais leis já previstas para o
aborto (em casa de estupro, gravidez de risco etc.), não deixo de expressar
também minha visão sobre tantos outros casos. Mesmo em uma sociedade ideal,
onde todos tenham acesso aos métodos contraceptivos, ainda assim eu seria a
favor da causa (de acordo com o que diz a proposta de alteração da lei). Não é só a
irresponsabilidade que está em jogo. Outros aspectos podem causar uma gravidez
indesejada, como a troca de medicamento, o uso e a interferência de outro, a
porcentagem de 0,0000...1% de chances de falha.
São possibilidades que, ainda que mínimas,
não podem ser descartadas. Mesmo a mulher informada e de classe média deve ter
o direito de escolher interromper ou não uma gravidez, sem deixar de lado a
opinião do parceiro. Não estamos destinadas à maternidade, como muito se acreditava em séculos passados. Somos livres. Talvez
falte ao mundo maior empatia e esforço para se colocar no lugar do outro, entender
seus medos, suas escolhas e sua vida.