sábado, 20 de agosto de 2011

Experiências no irreal

Às vezes, pergunto para as pessoas se elas percebem quando estão sonhando. A resposta negativa é previsível e unânime. Comigo, no entanto, é diferente. Talvez porque eu sempre tenha me interessado por assuntos que envolvem o sonho. É algo fascinante, misterioso, e assusta de uma forma positiva. Mergulhar em outra realidade durante horas é tão próximo do cotidiano e tão distante da minha concepção de comum. Fico imaginando o meu estado de quase absoluta inércia, em contradição com os movimentos falaciosos do corpo ­– meras aparências construídas pelo cérebro.

Nos minutos que precedem o sono, crio suposições a respeito do próximo sonho, sou tomada por uma estranha curiosidade: o que eu vou sonhar, com quem e por quê. Penso nisso até os meus últimos instantes de raciocínio, pouco antes do primeiro passo da transição. Nesse meio-termo, as imagens começam a ser projetadas pelo meu inconsciente, e as situações são cada vez mais elaboradas, à medida que o sono caminha para um nível mais profundo. O resultado disso tudo pode responder à primeira pergunta em questão: sim, eu sei quando estou sonhando.

Não é sempre, nem por acaso, que acontece. Em momentos anteriores na cama de maiores reflexões, eu consigo identificar, ao imergir no sonho, a vulnerabilidade do ambiente, as atitudes estranhas das pessoas e a ausência de sentido nos fatos. Em seguida, constato: é um sonho. É como se ele fosse um terreno contíguo à realidade, onde meus pensamentos ininterruptos não perdessem a referência do real.

Confesso que já me aproveitei de tal peculiaridade para me livrar de situações perigosas. Em um pesadelo, quando um homem que me perseguia me encontrou – o motivo da perseguição desconheço –, eu não corri, eu não gritei, eu não chorei. Fui movida por um instinto natural, lógico e espontâneo: fechei os olhos. O cenário em minha volta é apenas projeção do meu inconsciente, pensei. Aquilo não era real. Se tudo, inclusive o homem, era pura criação minha, por que não adaptar aquela vida provisória a meu modo? No escuro, concentrei-me para apagar a presente imagem e dar lugar a uma nova, que conheci ao abrir os olhos. Foi muito satisfatório.

N’outras vezes, lembro-me agora, já me encarreguei de procurar uma Fada Azul no sonho, em aposta com meu irmão na vida real. A ideia surgiu com o filme que assistimos, “Inteligência artificial”, em que o protagonista passa grande parte da história tentando encontrar a Fada Azul – mas isso não vem ao caso. O desafio era testar a minha capacidade, ou não, de lembrar, durante o sonho, o acordo estabelecido. Não foi no primeiro, mas aconteceu. Sonhando justamente com meu irmão, eu disse contente: “Lembra? Temos que procurar a Fada Azul!”. Ele apenas sorriu. Não me recordo de mais nada. Por que não escolhi uma tarefa menos complicada?

Recentemente, vivi uma situação um pouco diferente. Dessa vez, nada foi combinado antes de dormir. Eu estava na rua, já no meio de um sonho, quando percebi que não estava acontecendo de verdade. Rodeada de pessoas, resolvi perguntar para uma delas – conhecida minha – algo que de fato me interessava saber. A resposta que recebi não foi de modo algum aleatória: o que eu esperava ouvir, mas não necessariamente o que eu queria ouvir. O que eu penso de alguém ou o que eu imagino que pensa reflete na criação que o meu inconsciente faz das pessoas. Portanto, acredito, se um dia eu estiver confusa quanto aos meus julgamentos, posso recorrer ao sonho para eliminar minhas dúvidas. O nosso real sentimento está sempre lá, em algum lugar da nossa mente.

A mais antiga, talvez a primeira das experiências, consistiu em um sonho mais descontraído. Eu era criança, e observei nos desenhos animados que alguns personagens se mexiam na cama de acordo com as ações que praticavam no sonho. Decidi testar a veracidade daquilo. Sonhei com um gramado de um sítio enorme, onde pude correr rapidamente e com passos largos. Acordei desapontada, lembrando que não havia ninguém ali para testemunhar o possível movimento das minhas pernas.

A última experiência memorável ocorreu não há muito. Lembro-me de estar lendo, não sei se livro ou revista, sem ninguém por perto. Não havia coerência na construção das frases, como se fosse apenas um fluxo de palavras. A parte interessante veio depois. Ao me dar conta de que aquilo era um sonho, pensei em tudo o que poderia estar escrito. A aparição instantânea das palavras pensadas, agora com sentido, me possibilitou a ler exatamente o que eu queria. Estava tudo sob o meu domínio.

Como mostra algumas definições no dicionário Houaiss, inconsciente significa 1. automático, maquinal, involuntário 2. que ou o que não pode ser percebido pelo indivíduo que o vivencia 3. que ou quem não se dá conta de certas coisas, não percebe as circunstâncias a sua volta. O que explica, então, a minha condição de controle do inconsciente, a partir de uma consciência plena de que aquilo não é real? Escrevo não para encontrar respostas prontas e imediatas, tampouco para fazer delas uma verdade. Porque, se um dia, as explicações forem todas precisas e científicas, não mais haverá razão para sonhar.

2 comentários:

  1. Filha, tomara, então, que falhem na busca da "razão" científica para esse fenômeno...E, se houver alguma pretensa explicacão, que ela permaneça trancada em alguma gaveta de cientista que não sabe sonhar, bem distante da sua curiosidade... Assim, você não deixará nunca de nos fazer sonhar acordados com os seus textos.

    Bjs,
    Papai


    Bjs,
    Papai

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  2. Filha, fiquei emocionada (como sempre),pois percebo que mesmo sonhando você demonstra fascinio pelas palavras.

    Beijinhos

    Mamãe

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